sábado, 23 de outubro de 2021

O que poderá a Câmara fazer após a aprovação de um veto descabido e contrário aos interesses do consumidor referente a um importante projeto de lei?!



Na última sessão ordinária, ocorrida em 21/10/2021, a Câmara Municipal de Mangaratiba, por maioria de votos, manteve o veto do Chefe do Poder Executivo ao Projeto de Lei n.º 46/2021, de autoria do vereador Mair Araújo Bichara, o Dr. Mair.


No dia 01/06/2021, o citado edil havia apresentado a referida proposição que tem por objetivo tornar obrigatório que as concessionárias de serviços públicos de água, gás e energia elétrica ofereçam a opção de pagamento, via débito ou crédito, no momento da suspensão do serviço, dando outras providências. Em sua justificativa, Dr. Mair argumentou que o seu projeto visava facilitar ao consumidor o acesso aos serviços de energia elétrica, permitindo a quitação do débito no momento do corte e, deste modo, mantendo a continuidade do serviço.




Tal projeto tramitou normalmente nas comissões da Casa Legislativa, sem que houvesse qualquer questionamento e recebendo de todas elas pareceres favoráveis, inclusive da CCJ:


"Parecer 64/2021 da Comissão de Constituição e Justiça favorável ao Projeto de Lei 46/2021 de autoria do Sr. Vereador Dr. Mair que “Torna obrigatório que as concessionárias de serviços públicos de água, gás e energia elétrica a opção de pagamento, via débito ou crédito, no momento da suspenção do serviço, e dá outras providências”"


Após a aprovação unânime em Plenário, nas duas votações, o projeto seguiu para ser sancionado pelo Chefe do Poder Executivo e, caso positivo, publicado no Diário Oficial do Município e, finalmente, virar lei. Porém, para minha surpresa, o prefeito encaminhou a Mensagem de n.º 40/2021, vetando o projeto ao argumento de que se trataria de um "vício de iniciativa", sem apresentar uma fundamentação plausível:


"Analisando o Projeto de Lei n.º 46/2021, foi encontrado óbice quanto ao seu prosseguimento para a sanção do Exmo. Sr. Prefeito, haja vista que foi encontrado vício de iniciativa que poderá gerar inconstitucionalidade do projeto, bem como não incide em qualquer ônus para o Município, pois o art. 48 da lei orgânica deste município, de forma taxativa, elenca a competência legislativa da câmara de vereadores e a matéria disposta não se encontra neste rol de competência."





Ocorre que tal fundamentação é absurdamente equivocada e ignora o que dispõe a Constituição Federal, bem como entendimentos recentes do Supremo Tribunal Federal.


Inicialmente é preciso observar que a reserva do Executivo Municipal para legislar encontra-se prevista restritivamente no parágrafo 1º do artigo 61 da Carta Magna, o qual, embora se refira ao Presidente da República, aplica-se a todos os entes federativos pelo princípio da simetria. Senão vejamos o que diz o texto constitucional:


"Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.         (Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)"


Assim sendo, pode-se dizer que só haveria vício de iniciativa, caso o vereador estivesse propondo algo sobre a estrutura ou a atribuição dos órgãos da Administração Pública. Porém, não foi essa a situação já que o projeto de lei foi dirigido à atuação das concessionárias de serviços públicos essenciais no território municipal, que são empresas privadas, buscando, assim, proteger os direitos e interesses dos consumidores de Mangaratiba quanto aos abusos cometidos a todo momento por essas companhias contra a população.


Neste sentido, vale citar aqui o Tema 917 do STF que tem a seguinte redação: 


"Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, "a", "c" e "e", da Constituição Federal)." - STF - REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 878.911 RIO DE JANEIRO, Relator MIN. GILMAR MENDES, julgamento em 9-9-2016. Plenário, DJE 1/0/2016


Desse modo, com base no entendimento que predomina atualmente no Supremo, uma lei de iniciativa parlamentar não fica viciada por inconstitucionalidade caso disponha sobre regras de direitos do consumidor dentro do serviço público prestado por empresas concessionárias. Pois o que deve ser observado é o que diz respeito ao seu efeito sobre os órgãos e servidores do Poder Executivo.


Ademais, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal vêm admitindo a ampliação da iniciativa parlamentar para propositura de leis, dando interpretação restritiva ao artigo 61, § 1º da Constituição Federal.


Portanto, qualquer vereador poder apresentar projeto de lei como o de n.º 46/2021, infelizmente vetado, posto que não houve exercício de nenhuma das atribuições previstas no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal. Isto porque, conforme já exposto, a proposição em tela não dispôs sobre a estrutura da Administração Pública, da atribuição de seus órgãos e nem mesmo do regime jurídico de seus servidores. Logo, quanto ao aspecto da constitucionalidade, regimentalidade e legalidade, a proposição em comento mostrou-se adequada ao ordenamento jurídico brasileiro.


Importante ressaltar que, na cidade do Rio de Janeiro, encontra-se em pleno vigor a Lei Municipal n.º 6.871, de 22 de abril de 2021, cujo projeto legislativo correspondente, de n.º 1.647/2019, é de autoria da ilustre vereadora Vera Lins. 


Todavia, como quase todos os vereadores presentes na última sessão aprovaram o veto do Chefe do Poder Executivo, constante na Mensagem de n.º 40/2021, não resta outra alternativa senão alguém reapresentar a matéria na próxima sessão legislativa ou então a maioria absoluta dos membros do Legislativo assinar um novo projeto, conforme previsto pelo artigo 136, inciso III, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Mangaratiba:


"Art. 136 – O Presidente ou a Mesa, conforme o caso, não aceitarão Proposição:

(...)

III – que tenha sido rejeitada na mesma Sessão Legislativa, salvo se tiver sido subscrita pela maioria absoluta do Legislativo"


Portanto, fica aí a dica aos nobres edis para reverem o equívoco cometido no dia 21/10 e parabenizo expressamente ao vereador Leandro de Paula (AV) por haver corajosamente votado contra o veto do prefeito na referida sessão da Câmara.

sábado, 16 de outubro de 2021

É preciso fazer cumprir a Lei das Sacolas Plásticas!

 



Há dois anos, entrou em vigor a Lei Estadual n.º 8.473, de 15 de julho de 2019, a qual prevê a substituição das sacolas plásticas tradicionais nos supermercados pelas retornáveis, tendo por objetivo modificar os hábitos dos consumidores. Graças a essa norma, acredita-se que mais de 4 bilhões de sacolas plásticas foram retiradas de circulação no Estado do Rio de Janeiro durante esse período.


De acordo com um estudo realizado pela Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (ASSERJ) com 510 consumidores, entre os dias 18 e 21 de junho deste ano, cerca de 70% (setenta por cento) das pessoas ouvidas já não utilizam mais a sacola plástica para embalar as compras. Ou seja, 7 em cada 10 clientes agora estão levando bolsas retornáveis ou caixas de papelão para carregarem os produtos para suas casas.


No entanto, tenho visto vários municípios fluminenses indo na contramão dessa lei e aprovando normal locais que proíbem a cobrança de sacolas. No mês passado, por exemplo, o prefeito de São Gonçalo, Nelson Ruas dos Santos, o "Capitão Nelson", sancionou a Lei Municipal n.º 1261/2021, que proíbe a cobrança de sacolas descartáveis biodegradáveis de papel ou de qualquer outro material que não poluam o meio ambiente para embalagem ou transporte de produtos adquiridos em estabelecimentos comerciais, gerando, assim, um conflito jurídico dentro da nossa unidade federativa. Senão vejamos o que diz uma publicação oficial da prefeitura de lá de 18/09:


"Foi sancionada pelo Executivo, na última sexta-feira (17), a Lei 1261/2021, que proíbe os estabelecimentos comerciais no município de São Gonçalo cobrar pelas sacolas biodegradáveis que são fornecidas para os consumidores transportarem suas compras. Pela lei, o custo de distribuição das sacolas não será mais do cliente, mas dos estabelecimentos comerciais, que não poderão mais vender sacolas de materiais biodegradáveis aos consumidores do varejo. A lei já está em vigor no município e, caso o estabelecimento seja flagrado em descumprimento da nova legislação, será advertido por escrito e terá que se adequar em um prazo máximo de 15 dias, caso seja um comércio de grande porte, e 20 dias, se for de médio ou pequeno porte. Caso não se adeque após ser advertido , o estabelecimento poderá ser multado em 80 ufisg ( R$ 3.035,20) caso seja de grande porte, 40 Ufisg (R$1.517,60), médio porte, e 20 Ufisg (R$758,80), pequeno porte. Em caso de reincidência a penalidade aos proprietários de estabelecimentos será ainda maior, com multa de 100 Ufisg (R$ 3.794,00) para o comércio de grande porte, 60 Ufisg (R$2.276,40) para médio porte, e 40 Ufisg (R$1.517,60), em caso de reincidência para o comércio de pequeno porte. Além da multa, o estabelecimento que descumprir a legislação pode ter suspensão parcial do alvará de funcionamento das atividades até que se adeque à nova lei."


Por acaso, tendo pesquisado por esses dias sobre as novas matérias que têm entrado na Câmara Municipal daqui de Mangaratiba, descobri um projeto de lei parecido, de número 112/2021, o qual visa praticamente a mesma coisa, prevendo, inclusive, a fixação de multa e até mesmo a suspensão parcial do alvará de funcionamento da empresa!



Pelo que vejo, alguns legisladores municipais ainda não entenderam o espírito da norma estadual que é justamente fazer com que o consumidor tenha a consciência do custo ambiental que essas sacolas plásticas representam para a natureza. Na época da aprovação da Lei n.º 8.473/2019, o deputado Carlos Minc, autor do respectivo projeto legislativo de n.º 69/19, explicou publicamente os motivos pelos quais estaria alterando a legislação regional existente sobre o assunto, pelo que assim declarou, conforme noticiado em 19/06/2019, de acordo com o portal da ALERJ:


"Esta nova norma facilita o cumprimento da legislação. Estamos dando prazo para mudança de comportamento da sociedade. Nos primeiros seis meses serão disponibilizadas gratuitamente sacolas plásticas reutilizáveis. Também estabelecemos metas de redução de sacolas plásticas por ano. Em média, são distribuídas quatro bilhões de sacolas plásticas por ano. Aonde vai parar isso tudo? A ideia da norma não é que o consumidor pague por novas sacolas, mas sim reutilizar a mesma por vários anos"


Inegável o impacto causado por essas sacolas plásticas no meio ambiente sendo que, só no Estado do Rio de Janeiro, supõe-se que, antes da atual lei estadual vigorar, sejam mais de 600 milhões delas estariam sendo fornecidas mensalmente! E, embora muita gente as utilize para armazenar o lixo doméstico, por diversas vezes elas acabam sendo descartadas indevidamente no ambiente e, como sabemos, podem levar até 300 anos para se degradarem na natureza.


Por outro lado, não pode a legislação municipal sobrepor-se à estadual no sentido de afastar o cumprimento de uma norma geral. Isto porque a competência legislativa municipal para editar normas relativas ao direito ambiental é supletiva!


Ora, façamos o raciocínio inverso fazendo de conta que o Rio de Janeiro não tivesse nenhuma lei sobre as sacolas plásticas e a Câmara de um de seus 92 municípios resolvesse criar uma norma local proibindo o seu uso ou determinando uma cobrança. No caso, a lei municipal seria constitucional pois, com base no artigo 30, inciso II, da Constituição da República, é permitido aos municípios "suplementar a legislação federal e a estadual no que couber".


Certo é que responsabilidade de todos quanto ao meio ambiente precisa ser compreendida. De pouco adianta só cobrarmos dos governos e das empresas se nós como cidadãos não fazemos a nossa parte sendo certo que a ideia do consumidor-pagador, implícita atualmente na legislação estadual, vem contribuir para que haja esse entendimento.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Extinguir a carreira dos agentes de trânsito não é a solução!



Estava lendo por esses dias as matérias no portal da Câmara de Mangaratiba na internet e vi a Mensagem de n.° 36/2021, de autoria do Chefe do Executivo, propondo a extinção da carreira dos agentes de trânsito, os quais serão aproveitados na Guarda Municipal. Senão vejamos o que diz o texto normativo:


Art. 1.º Fica extinta a carreira de agente de trânsito no âmbito do Poder Executivo do Município de Mangaratiba, com a extinção de todos os cargos de agente de trânsito vagos.

Parágrafo único. Os cargos de agente de trânsito atualmente ocupados serão extintos após sua vacância, devendo ser identificados como "Em Extinção".

Art. 2.º Os servidores públicos atualmente ocupantes dos cargos de agente de trânsito serão aproveitados na Guarda Municipal.

Parágrafo único. Os agentes de trânsito de que trata o caput exercerão a função deles na fiscalização do trânsito com acumulação das funções de Guarda Municipal conforme Lei de Criação n.º 29/1989, respeitando rigorosamente o Regulamento Disciplinar n.º 504/2001 e 505/2001, passivo de punições com base nos regimentos da Guarda Municipal.

Art. 3.º Todos os agentes de trânsito aproveitados na função de Guarda Municipal deverão preservar o nome da Instituição e respeitar rigorosamente a posição hierárquica dos ocupantes de carreira da própria Instituição.

Art. 4.º Em termos de progressão ao vencimento e qualquer outro adicional, todos os agentes de trânsito aproveitados terão igual direito e irão utilizar o mesmo tempo de progressão para nível.

Art. 5.º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em contrário.


Sinceramente, eu não concordo com a ideia porque, se aprovada a proposta, a Guarda Municipal ficará ainda mais sobrecarregada de tarefas de modo que os seus funcionários terão menos condições de contribuir com a segurança pública que é a tendência atual nas cidades brasileiras tão carentes de policiais militares.


É certo que a Lei não causará impactos aos três agentes de trânsito que já integram os quadros da Administração Municipal, os quais, possivelmente, vão preferir virar guarda. Porém, de modo algum podemos esquecer que, após extinção, não haverá novo concurso público para tal cargo.


Todavia, poucos sabem e, talvez, isso tenha passado desapercebido pelo Prefeito (ou por quem o assessora), que a Lei Federal n.° 13.022/2014, em seu artigo 7°, limita o efetivo das Guardas Municipais conforme o censo ou a estimativa oficial da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na seguinte proporção:


"I - 0,4% (quatro décimos por cento) da população, em Municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes;

II - 0,3% (três décimos por cento) da população, em Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, desde que o efetivo não seja inferior ao disposto no inciso I;

III - 0,2% (dois décimos por cento) da população, em Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, desde que o efetivo não seja inferior ao disposto no inciso II"


Assim sendo, mesmo diante da hipótese da população de Mangaratiba registrar um aumento no censo (que esperamos ocorrer em 2023), haverá sempre um efetivo máximo a ser respeitado por razões de ordem legal. Logo, quando os funcionários da Guarda forem convocados para as ações de segurança, cada vez mais necessárias nos tempos de hoje, haverá uma menor disponibilidade em atuar nessa área porque uma parcela desses servidores estará ocupada com atividades relacionadas à fiscalização do trânsito.


A meu ver, era para o Município de Mangaratiba fazer justamente o contrário! Ou seja, programar um concurso público para agentes de trânsito e liberar os guardas municipais dessa desviante tarefa de modo possam se ocupar com a proteção do patrimônio público e colaborar melhor com as ações voltadas para a segurança pública.


Ademais, considero necessário reconhecer a importância do serviço prestado pelos agentes de trânsito, sem os quais a nossa mobilidade urbana seria muito pior sem a presença desses servidores próximos às escolas, aos eventos, em cada acidente, engarrafamento ou risco verificado aos motoristas e pedestres.


Ainda que seja pública e notória a atuação das Guardas Municipais na fiscalização do trânsito, inclusive aplicando multas, entendo que essa atuação deva ser eventual e não o habitual como se tornou em Mangaratiba e em muitas outras cidades. Pois o correto é que tenhamos concursos para novos agentes de trânsito, liberando os guardas municipais para o exercício de suas funções típicas relacionadas às questões de segurança. 


Enfim, é como penso e coloco em debate esse relevante assunto perante à sociedade antes que haja a aprovação da proposta no Legislativo.


Com a palavra, o cidadão...