domingo, 14 de fevereiro de 2021

Precisamos de uma Ouvidoria realmente independente na Administração Municipal e com mais transparência nas comunicações!


 

"A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços" (parágrafo 3º e incido I do artigo 37 da Constituição Federal, conforme incluído pela Emenda Constitucional n.º 19 de 1998)


Poucos sabem disso mas as ouvidorias, órgãos internos existentes na Administração Pública destinados a receber críticas, sugestões, elogios e denúncias (sem caráter punitivo), têm as suas origens nos países da distante Escandinávia os quais, como bem sabemos, apresentam uns dos menores índices de corrupção no mundo.


Modernamente, pode-se dizer que a palavra "ouvidor" adquiriu uma significação bem próxima do termo estrangeiro ombudsman. Este foi um cargo público criado na Suécia, durante a primeira metade do século XVIII, com a finalidade de aliviar o trabalho do monarca daquele país que se ausentava frequentemente de seu reinado por motivo de viagens. Era, portanto, um representante do Estado junto à população.


É certo que, com o tempo, os órgãos e as entidades governamentais, bem como as empresas privadas, também passaram a se valer das suas próprias ouvidorias como importantes canais de relacionamento com o público. Através do atendimento desses organismos, o cidadão ganhou a oportunidade de fazer a sua legítima manifestação. E cada vez mais o serviço foi se aprimorando, incorporando as ferramentas da informática e integrando todas as formas de acesso possíveis a ponto de várias administrações no país já unificarem num sistema só as demandas recebidas pelas ligações telefônicas, e-mails, formulários eletrônicos, canais de comunicação de aplicativos de mensagens instantâneas como o WhatsApp ou Telegram, correspondências convencionais, além daquelas registradas presencialmente por funcionários pelo comparecimento pessoal do usuário.


Nos dias atuais, é raro uma prefeitura, uma câmara de vereadores ou uma empresa concessionária de serviço público não ter o seu ombudsman. Porém, nem sempre o atendimento costuma ser satisfatório. Aliás, eu diria que a grande maioria das ouvidorias neste país existem mais como uma mera formalidade ou para atender interesses eleitoreiros de um superior hierárquico por meio de políticas clientelistas. Muitas deixam o cidadão sem resposta e não proporcionam uma segurança necessária para que a solicitação formulada possa ser devidamente acompanhada depois de registrada. Os formulários eletrônicos, tipo o "fale conosco" nos portais oficiais de internet dos órgãos públicos, chegam a ser verdadeiras tapeações quando o sistema de informática utilizado nem gera um número de protocolo ou, mesmo criando um registro, não reproduz o inteiro teor da mensagem enviada para que se torne possível comprovar o contato e, depois, cobrar as providências em instâncias administrativas superiores. Em outras palavras, falta qualidade no atendimento e também transparência.


Certo é que, com a edição da Lei Federal n.º 13.460/2017, a qual dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública, regulamentando o citado inciso I, do § 3º, do artigo 37, da Constituição Federal, houve importantes mudanças, mas que ainda precisam ser efetivadas em diversas prefeituras. Segundo o art. 13 da referida norma infra-constitucional, as ouvidorias têm as seguintes atribuições precípuas, sem prejuízo de outras que vierem a ser estabelecidas em regulamento específico:


- promover a participação do usuário na administração pública, em cooperação com outras entidades de defesa do usuário;

- acompanhar a prestação dos serviços, visando a garantir a sua efetividade;

- propor aperfeiçoamentos na prestação dos serviços;

- auxiliar na prevenção e correção dos atos e procedimentos incompatíveis com os princípios estabelecidos nesta Lei;

- propor a adoção de medidas para a defesa dos direitos do usuário, em observância às determinações desta Lei;

- receber, analisar e encaminhar às autoridades competentes as manifestações, acompanhando o tratamento e a efetiva conclusão das manifestações de usuário perante órgão ou entidade a que se vincula; e

- promover a adoção de mediação e conciliação entre o usuário e o órgão ou a entidade pública, sem prejuízo de outros órgãos competentes.


A fim de que possam realizar os seus objetivos, as ouvidorias deverão receber, analisar e responder, por meio de mecanismos proativos e reativos, as manifestações encaminhadas por usuários de serviços público. Também devem elaborar, anualmente, um relatório de gestão, o qual deverá consolidar as informações acerca das manifestações recebidas, e, com base nelas, apontar falhas e sugerir melhorias na prestação de serviços públicos, devendo o documento ser encaminhado à autoridade máxima do órgão a que pertence a unidade de ouvidoria e também publicado na internet, indicando, ao menos:

- o número de manifestações recebidas no ano anterior;
- os motivos das manifestações;
- a análise dos pontos recorrentes;
- as providências adotadas pela administração pública nas soluções apresentadas.

Importante acrescentar que a ouvidoria deverá encaminhar a decisão administrativa final ao usuário, observado o prazo legal de trinta dias, prorrogável de forma justificada uma única vez, por igual período, havendo a possibilidade do órgão solicitar informações e esclarecimentos diretamente a agentes públicos do órgão ou entidade a que se vincula, com o direito de obter respostas no prazo de vinte dias, prorrogável de forma justificada uma única vez, por igual período.


Todavia, a fim de que haja um funcionamento satisfatório das ouvidorias, os gestores precisam entender que, conforme prevê a legislação federal, o usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes:


- urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no atendimento aos usuários;

- presunção de boa-fé do usuário;

- atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos de urgência e aqueles em que houver possibilidade de agendamento, asseguradas as prioridades legais às pessoas com deficiência, aos idosos, às gestantes, às lactantes e às pessoas acompanhadas por crianças de colo;

- adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação;

- igualdade no tratamento aos usuários, vedado qualquer tipo de discriminação;

- cumprimento de prazos e normas procedimentais;

- definição, publicidade e observância de horários e normas compatíveis com o bom atendimento ao usuário;

- adoção de medidas visando a proteção à saúde e a segurança dos usuários;

- autenticação de documentos pelo próprio agente público, à vista dos originais apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade;

- manutenção de instalações salubres, seguras, sinalizadas, acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendimento;

- eliminação de formalidades e de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido;

- observância dos códigos de ética ou de conduta aplicáveis às várias categorias de agentes públicos;

- aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao usuário e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações;

- utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e

- vedação da exigência de nova prova sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada.

- comunicação prévia ao consumidor de que o serviço será desligado em virtude de inadimplemento, bem como do dia a partir do qual será realizado o desligamento, necessariamente durante horário comercial.


Infelizmente os cidadãos, na maioria dos casos, nem sabem disso e os agentes públicos muitas das vezes também não, sendo preciso compreender que o usuário dos serviços públicos tem os seguintes direitos, além de outros, também assegurados pela legislação federal:


- participação no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços;

- acesso e obtenção de informações relativas à sua pessoa constantes de registros ou bancos de dados;

- proteção de suas informações pessoais;

- atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios de regularidade; 

- obtenção de informações precisas e de fácil acesso nos locais de prestação do serviço, assim como sua disponibilização na internet, especialmente sobre:

a) horário de funcionamento das unidades administrativas;

b) serviços prestados pelo órgão ou entidade, sua localização exata e a indicação do setor responsável pelo atendimento ao público;

c) acesso ao agente público ou ao órgão encarregado de receber manifestações;

d) situação da tramitação dos processos administrativos em que figure como interessado; e

e) valor das taxas e tarifas cobradas pela prestação dos serviços, contendo informações para a compreensão exata da extensão do serviço prestado.


A fim de que haja um atendimento com qualidade, a Lei prevê também que haja a elaboração de uma "Carta de Serviços ao Usuário", a qual deve ter por objetivo informar à população sobre os serviços prestados pelo órgão ou entidade, as formas de acesso a esses serviços e seus compromissos e padrões de qualidade de atendimento ao público. Além disso, o documento tem por obrigação trazer informações claras e precisas em relação a cada um dos serviços prestados, apresentando, no mínimo, informações relacionadas a:


- serviços oferecidos;

- requisitos, documentos, formas e informações necessárias para acessar o serviço;

- principais etapas para processamento do serviço;

- previsão do prazo máximo para a prestação do serviço;

- forma de prestação do serviço; e

- locais e formas para o usuário apresentar eventual manifestação sobre a prestação do serviço.   

- prioridades de atendimento;

- previsão de tempo de espera para atendimento;

- mecanismos de comunicação com os usuários;

- procedimentos para receber e responder as manifestações dos usuários; e

- mecanismos de consulta, por parte dos usuários, acerca do andamento do serviço solicitado e de eventual manifestação.


É dentro desse elevado padrão estabelecido pelo legislador federal que devem ser tratadas as manifestações dos usuários e demais pessoas que se comunicam com a Administração Pública, havendo, ainda, regras a respeito do como deve se dar essa interação com o Poder Público, o que, como já exposto, trata-se de um direito do usuário.

É certo que a manifestação dirigida à ouvidoria do órgão ou entidade responsável precisa conter a identificação do requerente, porém sem exigências excessivas que inviabilizem o seu recebimento, sendo proibido obrigar o comunicante a expor os motivos determinantes da apresentação de suas manifestações. 

Além disso, a legislação federal prevê que haja a possibilidade de envio da manifestação pelo meio eletrônico, o que não exclui a correspondência convencional ou a comunicação verbal, hipótese em que deverá caberá ao atendente reduzira termo a demanda apresentada. E, no caso, há que se respeitar a legislação específica de sigilo e proteção de dados, devendo ser colocado à disposição do usuário formulários simplificados e de fácil compreensão para a apresentação do requerimento, não sendo possível, em nenhuma hipótese, recusar o recebimento de manifestações formuladas nos termos da Lei, sob pena de responsabilidade do agente público.

Uma vez registrada a manifestação, eis que os procedimentos administrativos relativos à sua análise deverão observar os princípios da eficiência e da celeridade, visando uma efetiva resolução, a qual compreende:

- recepção da manifestação no canal de atendimento adequado;
- emissão de comprovante de recebimento da manifestação;
- análise e obtenção de informações, quando necessário;
- decisão administrativa final; e
- ciência ao usuário. 


Avaliando a ouvidoria da nossa prefeitura municipal, eu diria que Mangaratiba ainda se encontra muito aquém do um padrão estabelecido pela legislação federal


O nosso formulário eletrônico é de relativamente acessível, mas, após o envio da mensagem, o sistema não assegura a devida transparência pois caberia ao site comprovar de imediato qual o teor da manifestação encaminhada, sendo que, além da mera exibição do número protocolo da página, apenas é disparado um e-mail automático com esta informação partindo de ouvidoria@mangaratiba.rj.gov.br que é o endereço eletrônico do órgão. 


Já a resposta propriamente dita da Ouvidoria, nem sempre é fornecida ou ocorre dentro do prazo da Lei, além de que o acompanhamento pelo usuário torna-se restrito sem que a página na internet disponibilize uma ferramenta adequada e segura de consulta. 



A meu ver, é possível melhorar esse atendimento assim como o funcionamento da Ouvidoria da Prefeitura de Mangaratiba.


Quanto às comunicações eletrônicas, deve o sistema ser programado para exibir o inteiro teor da manifestação junto com o número de protocolo após o seu envio pelo usuário, com a possibilidade de impressão ou transformação da mensagem em arquivo PDF, sem prejuízo do envio automático de um e-mail que passaria a conter também o teor da manifestação.


Além disso, de posse do número de protocolo e de uma senha automaticamente gerada para acompanhamento, o usuário poderia acessar o portal da Prefeitura e ver como está o andamento da solicitação, em que a página exibiria tanto o inteiro teor da manifestação quanto os despachos e encaminhamentos até à resposta final, possibilitando também eventuais reaberturas, caso o tratamento à demanda não se mostre adequado. Inclusive, tais mudanças seriam bem pertinentes aos nossos tempos de pandemia em que deve-se restringir contatos presenciais.


Todavia, é preciso que a nossa Ouvidoria tenha certo grau de autonomia tanto no aspecto funcional quanto financeiro. Pois, no caso de Mangaratiba, questiona-se como que o ouvidor, que é um mero superintendente da Secretaria de Gabinete, poderá agir com independência, se ele é passível de ser exonerado ad libitum pelo Chefe do Poder Executivo Municipal?!


Não sou contra que a nomeação do ouvidor ocorra por escolha final do prefeito, mas é preciso dar ao servidor uma estabilidade temporária no cargo, devendo os seus auxiliares ser indicados pelo próprio, ainda que também nomeados pelo Chefe do Executivo. E, no caso da nomeação do ouvidor, esta só ocorreria após o Conselho de Usuários apresentar uma lista tríplice de nomes.


Vale lembrar que, de acordo com a referida Lei Federal n.º 13.460/2017, existe a previsão de criação obrigatória dos conselhos de usuários, os quais são órgãos consultivos dotados das seguintes atribuições:


- acompanhar a prestação dos serviços;

- participar na avaliação dos serviços;

- propor melhorias na prestação dos serviços;

- contribuir na definição de diretrizes para o adequado atendimento ao usuário; e

- acompanhar e avaliar a atuação do ouvidor.


Por sua vez, a composição desses conselhos deve observar os critérios de representatividade e pluralidade das partes interessadas, com vistas ao equilíbrio em sua representação, em que a escolha dos representantes será feita em processo aberto ao público e diferenciado por tipo de usuário a ser representado. E vale frisar que, pelo artigo 20 da Lei, tal colegiado "poderá ser consultado quanto à indicação do ouvidor", embora esta previsão normativa seja meramente sugestiva.


Infelizmente, não podem os vereadores criar normas jurídicas a esse respeito, tipo darem um mandato estável ao ouvidor da Prefeitura, exceto se for algo voltado para o próprio Legislativo.Isto porque a iniciativa do projeto de lei caberá sempre ao Chefe do Executivo, o qual pode encaminhar mensagem capeando uma proposição que, por sua vez, torne a ouvidoria isenta e imparcial, chefiada por um servidor sempre indicado pelo Conselho de Usuários. Já este, com já dito, é de criação obrigatória, conforme dispõe a legislação federal.


Em todo caso, nós cidadãos precisamos fazer com que as ouvidorias funcionem já que elas são instrumentos de  relacionamento com os gestores públicos e que promovem um certo grau de participação. Logo, torna-se de grande relevância os usuários acionarem tais órgãos por meio de suas denúncias e reclamações, exigindo o máximo de transparência nas comunicações, o que, com o tempo, poderá levar a um aprimoramento da gestão, resultando na melhoria dos serviços oferecidos à população.


Portanto, deixo aqui registradas as minhas sugestões e considerações, em que não apenas me dirijo ao Poder Público a fim de que possa melhor cumprir a Lei Federal n.º 13.460/2017 e aprimorar a Ouvidoria, como também ao próprio usuário dos serviços públicos prestados, a fim de que este interaja mais com a Administração Municipal, apresentando manifestações, inclusive reivindicações de interesse coletivo.


Por último, deixo a sugestão para que a Ouvidoria da Prefeitura passe a funcionar em local mais visível e haja um atendimento ao público em todas as administrações distritais e ilhas, possibilitando o registro de manifestações em vários pontos do território municipal, além do site oficial internet e de um canal no WhatsApp.


OBS: Primeira imagem acima extraída de http://www.cmu.pa.gov.br/transparencia/ouvidoria/ sendo a segunda um print do formulário eletrônico da Ouvidoria da Prefeitura de Mangaratiba

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