segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Que tal termos audiências públicas distritais?



Conforme deu no noticiário de hoje, dois prefeitos no Espírito Santo, dos municípios de Vitória e de Cariacica, resolveram virar taxistas por um dia afim de ouvirem os reclames da população de suas respectivas cidades, aceitando a um convite feito pelo jornal A Gazeta. É o que consta no G1, portal da Rede Globo na internet:

"(...) Os prefeitos levaram todos os passageiros até o destino e não cobraram pela corrida. Mesmo assim, saíram ganhando. Segundo eles, conversar com os moradores de uma forma tão próxima pode ajudar na administração da cidade. “Esse contato com a população faz com que a gente ouça realmente o dia a dia do povo. E a gente tá aqui pra isso”, disse Juninho. “Táxi, salão de beleza e barbeiro são lugares onde a oportunidade de conversar com a população é muito grande. E não foi diferente”, completou Luciano Rezende."

A meu ver, precisamos de uma iniciativa semelhante aqui em Mangaratiba. Algo que permita ao prefeito, aos seus secretários de governo e aos vereadores conhecerem de perto as demandas das pessoas. E, neste sentido, nada mais prático do que promovermos periodicamente audiências públicas distritais. Ou seja, eventos que possibilitem o diálogo aberto entre a população e seus representantes no Poder Público.

Tendo em vista as peculiaridades da geografia mangaratibense, penso que nem todos os acontecimentos políticos devam restringir-se ao distrito-sede. As dificuldades de transportes, considerando aí os gastos com tarifa e o horário, seriam obstáculos para que todos os interessados compareçam a uma grande assembleia popular num local específico. Logo, veria grandes oportunidades se o prefeito agendasse esse bate-papo em cada um dos distritos com a finalidade de simplesmente ouvir o que as pessoas têm a dizer.

Nos meses de maio e de agosto deste ano, escrevi respectivamente os artigos Nossa Câmara Municipal poderia criar uma Comissão de Legislação Participativa e O portal da Câmara dos Vereadores, ambos propondo mecanismos mais democráticos que propiciem a participação popular junto ao Poder Legislativo. Contudo, apesar dessas iniciativas serem positivas e construtivas, nada melhor do que o contato direto entre o cidadão e suas autoridades constituídas. Aliás é o que já determinava a legislação de Moisés dos antigos hebreus em relação aos shofetim (juízes) de Israel:

"Nesse mesmo tempo, ordenei a vossos juízes, dizendo: ouvi a causa entre vossos irmãos e julgai justamente entre o homem e seu irmão ou o estrangeiro que está com ele." (Deuteronômio 1.16; ARA)

Podemos assim dizer que o ato de ouvir é fundamental para que sejam tomadas decisões justas, o que significa prestarmos a atenção e levarmos o próximo em consideração, esforçando-nos para entender o que a pessoa diz, considerar suas queixas e opiniões diferentes, dando todas as condições possíveis para que o outro exponha suficientemente tudo.

No hebraico, a palavra Leha'azin ("escutar") deriva de Izun, o que significa "equilíbrio". Isto transmite a ideia de que entre eu e o meu próximo deve existir um equilíbrio, tal como o labirinto do ouvido interno, afim de que haja a oportunidade para o outro desabafar as queixas que têm com as suas palavras. E o diálogo dessa forma proporciona a compreensão e a harmonia entre as pessoas, criando laços de proximidade entre elas quando estão até mesmo em posições contrárias.

No mês de julho, durante sua visita ao Brasil, o papa Francisco ressaltou a importância da "cultura do encontro" e creio que é por aí que devemos avançar. Senão vejamos o que disse o pontífice católico em seu discurso no Theatro Municipal do Rio de Janeiro:

"(...) termino indicando o que tenho como fundamental para enfrentar o presente: o diálogo construtivo. Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo com o povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce, quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais: cultura popular, cultura universitária, cultura juvenil, cultura artística e tecnológica, cultura econômica e cultura familiar e cultura da mídia. É impossível imaginar um futuro para a sociedade, sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa democracia que evite o risco de ficar fechada na pura lógica da representação dos interesses constituídos. Será fundamental a contribuição das grandes tradições religiosas, que desempenham um papel fecundo de fermento da vida social e de animação da democracia. Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença do fator religioso na sociedade, favorecendo as suas expressões concretas. Quando os líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta é sempre a mesma: diálogo, diálogo, diálogo. A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Só assim pode crescer o bom entendimento entre as culturas e as religiões, a estima de umas pelas outras livre de suposições gratuitas e no respeito pelos direitos de cada uma. Hoje, ou se aposta na cultura do encontro, ou todos perdem; percorrer a estrada justa torna o caminho fecundo e seguro (...)" - ler o discurso do papa na íntegra

Embora o que o papa falou também se aplique às relações entre grupos religiosos, quero focar aqui mais na questão política brasileira e local. Como iremos formar verdadeiramente essa "cultura do encontro" sem hipocrisias?

Há tempos que as nossas leis têm criado organismos de participação e de representação popular. São comitês, conselhos disto e daquilo, bem como audiências públicas divulgadas somente na imprensa oficial, consultas pela internet, entre outros meios de expressão mas que apenas fingem ouvir o cidadão. A insatisfação continua na sociedade brasileira e nada é resolvido.

No entanto, vejo que o problema maior está na surdez dos nossos governantes que ainda não foram capazes de abraçar o "diálogo construtivo". É um problema ético da nossa nação! Os municípios brasileiros criaram seus conselhos de saúde, educação, transportes, meio ambiente e tantos outros temas administrativos, mas os senhores prefeitos precisam conhecer mais de perto as demandas populares e se comprometerem verdadeiramente com o diálogo. Muitos viram nesses organismos participativos uma maneira de conterem ou de acalmarem ilusoriamente as entidades da sociedade civil que antes compareciam às ruas causando dores de cabeça aos políticos. Outros governantes, porém, jamais entenderam o significado de chamar a população para se sentar em volta de uma mesa e debater conscientemente sobre os problemas da cidade. Tentam até hoje cooptar lideranças e intervir na representação das associações de moradores, de ONGs e sindicatos, corrompendo assim a democracia.

Como estabelecer o processo de diálogo entre um governante e seu povo se aquele impede e dificulta que este se faça ouvir nos meios onde possa haver o encontro?!

Desejo profundamente que os nossos políticos entendam como se comportarem numa democracia, permitindo ao cidadão dizer tudo o que ele sente e pensa, encaminhar quais as suas reais demandas, bem como fazer conhecido aquilo que ele propõe. Em seu discurso, Bergoglio mencionou que esta "estrada justa" torna o caminho, além de seguro, "fecundo". Ou seja, todos podem sair ganhando com o diálogo construtivo. Governar com democracia verdadeira certamente dá trabalho, mas produz resultados excelentes. Pois, se um prefeito estiver disposto a ouvir o povo, ele poderá tomar as decisões mais acertadas para o bem da coletividade. Por isso, os organismos de participação precisam ser respeitados em todos os aspectos e a população encorajada a se manifestar em suas audiências públicas.

E então, Mangaratiba? Vamos encarar o desafio?

Um comentário:

  1. Hoje verifiquei na nossa Lei Orgânica que incumbe ao Município: "auscultar, permanentemente, a opinião pública; para isso, sempre que o interesse público não o aconselhar o contrário, os Poderes Executivo e Legislativo divulgarão, com a devida antecedência, os projetos de lei para o recebimento de sugestões" (art. 310, inciso I)

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