sexta-feira, 11 de agosto de 2023

É preciso respeitar o orçamento!



Encontra-se em discussão na Câmara Municipal de Mangaratiba a Mensagem n.º 10/2023 do Chefe do Poder Executivo que capeia o Projeto de Lei que "Altera os artigos 4º e 5º da Lei 1.474 de 16 de dezembro de 2022 que estima a receita e fixa a despesa do município de Mangaratiba para o exercício financeiro de 2023 – LOA 2023". De acordo com a matéria apresentada em 21/03 do corrente ano, propõe-se que a nova redação da Lei Orçamentária seja esta:


"Art. 4.° Fica o Poder Executivo autorizado a abrir créditos suplementares, até o limite de 50% (cinquenta por cento) do total da despesa fixada nesta Lei com a finalidade de atender insuficiências de dotações estabelecidas na presente lei e em créditos adicionais, na forma do que dispõem os artigos 7.° e 40 a 43 da Lei Federal n.° 4.320, de 1964, por meio da transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma mesma categoria de programação, de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, criando, se necessário, elemento de despesa em cada projeto, atividade ou operações especiais e adaptando as fontes de recursos  mediante a utilização de recursos provenientes.

Art.5.° As realocações e reforços de recursos não serão computados para fins de apuração do limite autorizado no art. 4° desta Lei nas seguintes situações: 

I — quando ocorrerem entre grupos de natureza de despesa no âmbito do mesmo projeto/atividade e unidade orçamentárias,

II — quando houver compensação reciproca de fontes de recursos entre dotações orçamentárias;

III— quando a origem dos recursos for de dotações com as mesmas categorias de programação, para mudança de elemento de despesa ou modalidade de aplicação.

IV — quando a origem dos recursos for excesso de arrecadação ou superávit financeiro;

V — para dotações destinadas a sentenças judiciais e relacionadas a convênios;

VI-para dotações referentes a ações e serviços públicos de saúde;

VII — para dotações referentes à manutenção e desenvolvimento do ensino."


Originalmente o artigo 4º caput da Lei foi aprovado autorizando a abertura de créditos suplementares em 10% (dez por cento) do total da despesa fixada.


"Art.4° Fica o Poder Executivo autorizado a abrir créditos suplementares, até o limite de 10% (dez por cento) do total da despesa fixada nesta Lei e em créditos adicionais, para realocações (transposições, remanejamentos e transferências) e reforços de recursos mediante a utilização de recursos provenientes de: 

I - Superavit financeiro apurado no balanço patrimonial do exercício de 2022;

II - Excesso de arrecadação;

III- Anulação de dotações orçamentárias, incluindo a que trata o inciso IIIdoart.5' da LRF; e

Parágrafo Único. As dotações consignadas nesta Lei ou em créditos adicionais classificadas nos grupos de natureza de despesa de amortização, juros e encargos da divida, bem como as financiadas com recursos provenientes de operações de crédito, serão excluídas da base de cálculo a que se refere o caput deste artigo.

Art.5.° As realocações e reforços de recursos não serão computados para fins de apuração do limite autorizado noart.4° desta Lei nas seguintes situações:

I — para dotações classificadas nos grupos de natureza de despesa de amortização, juros e encargos da divida;

II quando da mudança de classificação institucional (órgão e/ou unidade), mantidas os demais atributos da categoria de programação, no caso de reestruturação organizacional do Poder Executivo ou de transferência de atribuições de unidade, órgão ou entidade, extinto, transformado, transferido, incorporado ou desmembrado, de acordo com o previsto no art.6° desta Lei;

III— quando a origem dos recursos for a Reserva de Contingência;

IV — para ajuste até o limite autorizado noart.29-A da Constituição Federal;

V — para alteração nas codificações orçamentarias, desde que não impliquem em mudança de valores e na finalidade da programação;

VI — para ações destinadas à mitigação de calamidade pública declarada em lei federal, estadual ou municipal."


Lendo o texto da proposição, em consulta ao portal da Câmara Municipal de Mangaratiba, verifiquei a seguinte justificativa que foi apresentada, a meu ver superficial e insuficiente para defender a elevação de qualquer percentual na LOA e menos ainda a alegada urgência:


"Tenho a honra de submeter ao exame de V. Ex.ª e ilustres Vereadores o anexo Projeto de Lei que dispõe sobre "ALTERA OS ARTIGOS 4.º e 5.º DA LEI N.° 1.474, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2022 QUE ESTIMA A RECEITA E FIXA A DESPESA DO MUNICÍPIO DE MANGARA TIBA PARA 0 EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2023 — LOA 2023."

Tendo em vista a relevância da matéria, solicito-lhe que ela seja apreciada em caráter de urgência, na forma do artigo 73, da Lei Orgânica do Município de Mangaratiba.

Esperando contar, mais uma vez, com a inestimável colaboração dessa Egrégia Casa Legislativa, renovo a V. Exª e seus dignos Pares minha estima."


Ora, ao encaminhar projetos de leis orçamentárias às câmaras de vereadores, os prefeitos devem prever que o percentual para autorização de abertura de créditos suplementares seja limitado a um patamar razoável. E, neste sentido, podemos considerar o percentual de 10% (dez por cento) como adequado.


No entanto, a referida Mensagem do Chefe do Poder Executivo quer ampliar o limite de suplementação orçamentária do Município para 50% (cinquenta por cento), o que descaracteriza o orçamento e acaba por tornar uma importante medida de planejamento em mera peça decorativa.


Como se sabe, a suplementação do orçamento público consiste, basicamente, na possibilidade de se alterar as dotações orçamentárias, adequando-as às realidades não previstas quando da aprovação da Lei Orçamentária Anual – LOA. De acordo com a Constituição Federal, "a lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei" (art. 165, § 8). 


Por sua vez, a Lei n.º 4.320, de 17 de março de 1964, que estabeleceu normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, preconizou que "a lei do orçamento poderá conter autorização ao Executivo para abrir créditos suplementares até determinada importância (...)" (art. 7º, inciso I). 


Percebe-se que a legislação estabelece limites para o valor dos créditos suplementares, todavia não menciona de forma expressa o montante. Normalmente, as restrições são fixadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias ou na própria LOA. 


Assim, conforme já decidiu o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, no Parecer Consulta n.º 022/2006, a previsão para abertura de créditos adicionais suplementares deve ser feita mediante a fixação de um valor absoluto ou um percentual da despesa fixada. Qualquer tentativa de estabelecer um valor ou percentual ilimitado viola o princípio orçamentário que proíbe a fixação de créditos ilimitados. Também entendeu a Corte de Contas daquele ente federativo, no Acórdão n.º 295/2017, que tampouco pode a LOA prever um determinado percentual para certas despesas, excetuado algumas dotações deixando-as, na prática, com previsão ilimitada de créditos. 


Outrossim, a fixação de abertura de crédito suplementar em percentual demasiadamente elevado, como por exemplo 50% (cinquenta por cento) da despesa, descumpre o princípio do planejamento. Ademais, este procedimento de autorizar a modificação de metade do orçamento, além de poder desvirtuar a proposta aprovada, retira do Poder Legislativo a função de exercer o controle orçamentário. 


Vale ressaltar que, conforme o Acórdão n.º 1752/22, o Plenário do Tribunal de Contas do Estado do Paraná – TCE/PR, ao analisar uma representação questionando a permissão de alteração do orçamento em 50% (cinquenta por cento) do total da despesa fixada, decidiu, apesar de não estabelecer um percentual adequado, enviar recomendações para que na LOA do exercício subsequente fosse fixado um limite de suplementação em patamar adequado. 


E, segundo a jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – TCE/MG, 


"(...) o ordenamento jurídico atual não estabelece expressamente limitação percentual à suplementação de créditos orçamentários durante o exercício financeiro, embora o princípio do planejamento imponha ao gestor e ao legislador que as alterações do orçamento sejam feitas sob a égide da proporcionalidade e da razoabilidade, sob pena de descaracterização das leis orçamentárias. A adoção de uma baliza, como a de 30% (trinta por cento) sobre o total do orçamento, pode ser útil como referência para avaliação da proporcionalidade e da razoabilidade, sem prejuízo de as circunstâncias do caso concreto conduzirem a conclusões quanto à eventual irregularidade da suplementação, seja com percentuais superiores ou inferiores a essa baliza" (Processo n.º 1110006 – Consulta – Tribunal Pleno) 


Por seu turno, o Tribunal de Contas do Estado do Tocantins – TCE/TO aduziu que 


"(...) a Lei de Responsabilidade Fiscal exige dos gestores públicos municipais um melhor planejamento do gasto público e, em consequência, os Tribunais de Contas não tem mais admitido um percentual demasiadamente elevado para suplementação orçamentária e, a grande maioria dos entendimentos assinala que um parâmetro razoável para autorização na LOA para a abertura de crédito suplementar seria de até 20% (vinte por cento), observando que não se trata de um padrão, podendo haver particularidades que permita utilizar um percentual menor ou maior" (Gabinete da 2º Relatoria. Voto n.º 131/2021 – RELT2) 


Ante o exposto, com base na jurisprudência das nossas Egrégias Cortes de Contas, infere-se que um limite adequado para as suplementações orçamentárias previstas no texto da LOA seria, no máximo, algo entre 20% (vinte por cento) a 30% (trinta por cento) do total da despesa, o que deve ser feito levando-se em conta o contexto. Contudo, nada impede que, durante a execução do orçamento, apresentando a devida justificativa, o Poder Executivo solicite ao Legislativo o aumento do valor, sendo condenada a autorização prévia em montante elevado.


A meu ver, a Câmara deve procurar manter o percentual previsto na LOA em níveis aceitáveis, não permitindo a elevação do percentual inicialmente estabelecido para os abusivos 50% (cinquenta por cento).

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