sexta-feira, 7 de março de 2014

Um espaço para ser resgatado em Muriqui


"As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo." (Art. 10 caput e parágrafo 1º da Lei Federal n.º 7.661/88

Na manhã de quinta-feira (06/03), enquanto caminhava brevemente com minha esposa pela linha do trem, mostrei a ela o quanto se tornou desolada e vazia a prainha que existe em frente ao condomínio Pontal de Muriqui. Um lugar que, em meus tempos de criança e de adolescente , costumava ser procurado por muitos como uma alternativa para acampar junto à natureza. Debaixo de um daqueles pés de goiaba, um viajante podia livremente tocar o seu violão enquanto se deleitava contemplando a paisagem ainda menos agredida pela desordenada expansão urbana.

Infelizmente a especulação imobiliária gerada pela ganância desmedida do ser humano, juntamente com a priorização das atividades náuticas em detrimento do lazer dos banhistas, causaram graves danos ao meio ambiente. Com a construção do condomínio, o acesso à prainha tornou-se bem difícil. Um muro invadiu a pequena faixa de mata ciliar obrigando os interessados em visitar o local a andarem por um estreito caminho desconfortável que acompanha o rio Muriqui. Basta um descuido e a pessoa pode acabar tropeçando e caindo naquelas poluídas águas. Contrariando as normas legais e à Constituição Federal (arts. 20 e 225), vê-se ali o exclusivismo de poucos se sobrepondo aos direitos da imensa maioria. E, se alguém comprou um imóvel no Pontal acreditando que teria "praia particular", acabou quebrando a cara devido à poluição e sujeita sendo que, na maior parte do ano, é mais fácil encontrar urubus pastando na areia do que outros seres da nossa espécie.

No entanto, vejo um futuro promissor no horizonte. Na ação civil pública de número 0000044-37.1994.8.19.0030, movida pelo Ministério Público Estadual, a Vara Única da Comarca determinou que fosse demolida a marina irregularmente edificada no prazo de 90 dias sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao réu Iate Clube de Muriqui pelo descumprimento desta obrigação. Tal decisão do Juízo monocrático veio a ser confirmada pelo acórdão de 2ª instância dos desembargadores do Tribunal de Justiça, tendo os autos já retornado para a origem, de modo que a sociedade agora só precisa aguardar a sua execução. Algo que, infelizmente, nunca é cumprido imediatamente nesse nosso Brasil. Na própria sentença o então magistrado Dr. Rafael de Oliveira Fonseca assim havia reconhecido:

"(...) A praia é um bem público e não particular, assim como o rio assoreado pelo réu. O direito de determinada parcela da população em usufruir das belezas naturais sob uma outra modalidade de atividade, ou seja, a náutica, não pode implicar em violação de direitos coletivos básicos. Saliento que a questão não é meramente ambiental, mas de segurança, visto que os peritos que elaboraram os laudos periciais concluíram que banhistas transitam com freqüência pela marina do iate, visando acesso ao outro lado da Praia de Muriqui, situação de risco, uma vez que devem utilizar caminho de trânsito de embarcações, o que evidentemente deve ser coibido pelo Poder Judiciário, que possui como atividade típica a preservação das normas constitucionais. O pedido, portanto, é pertinente e legítimo, merecendo ser integralmente acolhido, devendo ser demolida a construção irregular a fim de ser garantida a preservação do meio ambiente e do direito constitucional de livre locomoção e de acesso aos bens públicos disponíveis ao uso de todos (...)"



Verdade é que nada será como antes, mas não é por isso que deixaremos de sonhar, e os posicionamentos da Justiça a esse respeito contribuem de muitas maneiras. Assim, defendo como proposta que a Prefeitura transforme a prainha e os arredores do condomínio num pequeno parque municipal voltado para o lazer, construindo vias capazes de garantir o acesso seguro e confortável das pessoas. Inclusive viabilizando uma passagem de pedestres paralelamente à ponte férrea tal como já existe no outro lado do distrito sobre o rio Catumbi, após o Bar do Kabeça. Isso ajudaria a prevenir acidentes com o trem na hipótese de haver um fluxo maior de turistas.

É certo que será preciso afastar também o muro do citado condomínio afim de se ganhar espaço, tornando-se desnecessário, a meu ver, o Município gastar qualquer centavo com a desapropriação de algo por ser flagrantemente ilegal. E, independe de criarmos ou não um parque de lazer ali, há que se respeitar sempre as faixas de proteção dos rios e dos córregos!

Acredito que, com um projeto que contemple a arborização, o entretenimento e a prática esportiva da natureza, os próprios moradores do Pontal de Muriqui podem se tornar aliados nessa luta por uma cidade melhor. Numa época em que a tendência deve ser a de recuperar as áreas perdidas, consistente na valorização das praças e na integração de comunidades favelizadas, há uma perda de sentido alguém ainda querer se fechar num condomínio ou trocar os espaços públicos de convivência pelos corredores de um shopping. Então, por que não vamos todos debater essa ideia e desenvolvermos um projeto comum para o distrito?

2 comentários:

  1. Apesar de n me sentir capacitado para opinar, sou totalmente favorável ao acesso livre a qq praia que é garantido pela constituição, na Costa verde esse direito é flagrantemente desrespeitado .

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia, Severo.

      Obrigado pela leitura e pelos comentários.

      Estou totalmente de acordo contigo. Penso que os únicos motivos justificáveis de restrição de acesso às praias seriam as necessidades de segurança nacional e de preservação ambiental, o que não é o caso da prainha em frente ao condomínio de Muriqui.

      Sem dúvida é uma situação que a sociedade mangaratibense não pode aceitar sendo que, no caso em comento, houve uma enorme tolerância das autoridades de praticamente todas as esferas e poderes estatais. Percebo que aqui na Costa Verde prevalecem os interesses mais rampeiros em que o uso de uma praia é inviabilizado não pelas questões expostas no parágrafo acima, ou por motivo de desenvolvimento econômico capaz de proporcionar compensações (como um porto por exemplo). Simplesmente o que temos assistido é o desejo de enriquecer de uns proprietários de imóveis e de construtoras, sendo que a sociedade civil falha por não saber se organizar para dar o devido enfrentamento.

      Abraços.

      Excluir