De acordo com os dados do censo demográfico divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2000, o Brasil tinha 24,5 milhões de pessoas com necessidades especiais, dentre as quais 16,6 milhões (ou 57%) eram portadoras de alguma dificuldade permanente para enxergar. Porém, de lá para cá, não houve uma mudança neste quadro de modo que seria possível afirmar que a deficiência visual constitui a maior deficiência do país sendo que, naquele mesmo ano, surgiu no ordenamento jurídico pátrio a Lei Federal n.º 10.098 para promover a acessibilidade de tais pessoas.
Nossa Constituição Federal de 1988 faz menção aos portadores de deficiência em 7 de seus 250 artigos. Por sua vez, a Lei Federal n.° 7.853/89 garante aos portadores de deficiência a atenção governamental às suas necessidades, definindo a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade (artigo 1º, parágrafo 2º). Segundo dispõe o art. 2º, caput da norma legal mencionada, cabe ao Poder Público e aos seus órgãos assegurar ao deficiente o pleno exercício de seus direitos básicos.
Como consta na legislação, a acessibilidade é definida pela Lei Federal de n.° 10.098 como a “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida” (art. 2º, I). É considerada como uma importante garantia para que os cidadãos nessa condição possam exercer o seu direito de ir e vir e viver normalmente em sociedade.
A fim de promover a acessibilidade com autonomia do portador de deficiência, a Lei Federal n.° 10.098/2000 determina a eliminação de barreiras e obstáculos que limitem o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas com necessidades especiais (art. 1º combinado com o art. 2°, II), prescrevendo a adequação dos elementos de urbanização públicos e privados de uso comunitário – neles incluídos itinerários e passagens de pedestres, escadas e rampas – às normas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), de acordo com o art. 5º da lei.
Entretanto, pouquíssimas cidades brasileiras cumprem as determinações contidas na legislação do país. Aqui mesmo, em Mangaratiba, observa-se claramente que os direitos dos deficientes visuais não têm sido satisfatoriamente contemplados no que diz respeito à acessibilidade com autonomia no interior dos prédios utilizados pelo Poder Público e nem quanto à parte externa, o que, no meu entender, inclui desde as entradas das portarias, o estacionamento e a calçada. Isto porque tem faltado a colocação de um piso tátil que garanta a locomoção da pessoa portadora de deficiência visual, através de faixas de relevo instaladas dentro de um padrão internacional, possibilitando ao indivíduo deslocar-se com a devida autonomia.
Tais reivindicações são de fato impactantes, pois, antes de mais nada, nos mostram como que o mundo é percebido através das palavras de um deficiente visual, algo que jamais passou pela cabeça da maioria das pessoas. Ainda mais numa sociedade egocêntrica como na atualidade em que cada qual está mais preocupado consigo mesmo do que com o bem estar do próximo.
Suponho que seja este o motivo pelo qual as nossas autoridades ainda não se deram conta em fazer cumprir uma lei que já existe há 10 anos no nosso ordenamento jurídico, apesar do número de pessoas portadoras de alguma deficiência ser bem expressivo no Brasil. Ou seja, temos no Brasil um alto percentual de pessoas de uma população total estimada acima dos 170 milhões com necessidades especiais e com deficiência visual, mas a grande maioria dos políticos não está nem aí, sendo que, após o próximo censo do IBGE, provavelmente, o número deve crescer proporcionalmente.
Quase dois milênios atrás, um homem importou-se com a condição das pessoas portadoras de deficiência. Jesus de Nazaré, durante o seu ministério de cerca de três anos e meio pelas terras da Palestina, procurou incluir não só os cegos, como os surdos, os paralíticos, as pessoas perturbadas, os leprosos, os pobres, as prostitutas, os publicanos e todos os rejeitados da sociedade. Nos quatro Evangelhos, fala-se de curas físicas, o que significa para os nossos dias um recado do Criador para que possamos entender qual a sua vontade no trato a ser desenvolvido com o próximo.
Pensando bem, qualquer um de nós pode ser considerado um deficiente. Pois, mesmo quando nossos cinco sentidos funcionam satisfatoriamente, podemos ser considerados deficientes emocionais e afetivos, sendo todos carentes de atenção, respeito e aceitação. No episódio da cura do cego de nascença, encontrado no capítulo 9 do Evangelho de João, Jesus demonstrou que muitos daqueles que enxergam perfeitamente com os olhos físicos são cegos quando escolhem deliberadamente a cegueira espiritual, tendo dito que:
“Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem se tornem cegos”.
Desta forma, em que pese a obstinação das nossas autoridades políticas, não devemos jamais desistir desta nobre causa, mas sim persistirmos com as nossas reivindicações junto aos órgãos públicos e também em relação a toda sociedade, a qual precisa ser mais sensível às necessidades do próximo. Comecemos, então, por nós tomando iniciativas, no bairro, no distrito ou na cidade onde vivemos para que as praças, os parques, os museus, os prédios públicos e as principais ruas passem a dispor do piso tátil.
OBS: Ilustração extraída do site do Ministério Público do Estado de Goiás.
Nenhum comentário:
Postar um comentário